Três cartas para um governante
Entre as estórias de política e políticos, conta-se que, certa feita, um ruidoso e vaidoso oposicionista, após aproveitar-se de artimanhas e circunstâncias para sair vitorioso das eleições, passada a euforia natural com o resultado, foi acometido de verdadeiro pânico ao defrontar-se com a nua e crua realidade de ter que governar.
Tendo feito promessas que não poderia resgatar e preocupado que a população percebesse o quanto havia sido enganada, foi aconselhado a procurar um velho e experiente político, o qual, certamente, lhe indicaria alguma saída.
Sem alternativa, e contrariado por ter que admitir que não soubesse o que fazer, recebeu da “velha raposa” três cartas numeradas, com a recomendação de só abri-las nas graves crises do governo, com o cuidado de obedecer à ordem crescente da numeração.
Frustrado e se achando até bobo por ter exposto sua fragilidade sem obter em troca qualquer ajuda concreta, o novo governante, voltou para sua nova rotina, vendo, a cada dia, o tão imaginado e encantador sonho de governar ser substituído por tarefas rotineiras, quase sempre pouco visíveis, mas que lhe consumiam um largo tempo até então destinado a descomprometidas críticas e animados folguedos.
Passado o primeiro ano, diante de uma sucessão de desacertos e trapalhadas, a popularidade já mostrava sinais de declínio, quando explode uma crise sem precedentes em área vital da administração.
A PRIMEIRA CARTA
Corre pra lá, corre pra cá, em meio a cobranças e acusações, o desesperado governante lembra-se das cartas e, sem nada a perder, abre a de número um, na esperança de encontrar algum conselho que lhe indicasse uma saída.
Para sua surpresa, sem rodeio ou floreado, o texto, resumidamente, além de calma, recomendava que ele procurasse se apresentar como vítima diante da população e sugeria que mais do que entender ou resolver o problema, o fundamental era transferi-lo para o governo anterior.
Ainda que desconfiado quanto aos resultados, o chefe do Executivo, vendo aí a oportunidade de eximir-se da cada dia mais incômoda tarefa de governar e voltar aos discursos de campanha, gostou da idéia. Chamou seus principais auxiliares, mandou convocar a imprensa e, procurando ser o mais convincente possível, quase às lágrimas, relembrou seu passado, falou de seu amor para com a gente sofrida, implorou por um voto de confiança. Dizendo ter apenas um ano de governo, pediu tempo para realizar as mudanças prometidas e ajeitar as coisas destruídas pelo governo anterior, o grande responsável por todas as mazelas.
E passou-se o tempo.
Dia após dia, sob o manto da inoperância e do discurso vazio seguia o governo entre intrigas e fofocas, quando, mais uma vez, após nova série de trapalhadas - que por serem tantas já nem mais tinham o sabor da novidade -, outra grave crise vem tirar o sono do já não tão novo governo.
A popularidade despencava. Adversários e até mesmo aliados já não poupavam críticas, fazendo eco à indignação que tomava conta da população que se sentia enganada e envergonhada. Parecia o caos. A quem recorrer? A quem apelar? O que fazer?
À boca pequena, até os mais íntimos já admitiam o equívoco de ter alçado ao poder alguém que entre falados predicados, a cada dia, demonstrava, certamente, não ter o de governar.
E quando a clara fragilidade e instabilidade do governo já se tornavam pública, entre nomeações e exonerações de apavorados e prestimosos auxiliares, um confidente, que privava da mais profunda intimidade com o chefe, vendo sua quase histeria, lembrou das cartas.
A SEGUNDA CARTA
Procura pra lá, procura pra cá, e lá estavam as duas mensagens que haviam restado.
Nervoso e até certo ponto descrente, o oportunista e atrapalhado governante, abre a segunda carta e, mais uma vez, o velho político lhe recomendava que não perdesse a calma. Só que agora, para sua irritação, tal conselho vinha acompanhado da insolente justificativa de que se o eleitor fosse sábio provavelmente não o teria elegido. Conhecedor das fraquezas humanas e artimanhas da política, o autor lembrava que “o povo esquece rápido”, e que se o governo procurasse pelo menos parecer que estava trabalhando e aumentasse a dose da velha receita de transferir a responsabilidade da crise para o passado, tudo seria resolvido.
Dito e feito. Foi preparada uma operação de impacto. O “reino” estava em risco e com ele muitos cargos. Era quase uma “guerra santa”. Mobiliza assessor, ensaia o discurso, convoca a imprensa, e novamente a velha cantilena. “Se Deus que é Deus, precisou de sete dias pra construir o mundo, quem nesta terra teria direito de cobrar que um pobre mortal, por mais esforçado e bem intencionado que fosse, construísse uma nova terra em pouco mais de dois anos. Não! As coisas já estavam mudando, apesar da atual oposição, quando no governo, ter deixado uma herança maldita”.
E sob novas promessas, forte propaganda, e muita maquiagem, passou-se o tempo.
As eleições já se aproximavam novamente e a tão cantada mudança só era real na vida de pequena parcela da outrora desassombrada oposição e de uns poucos traquinas amigos da corte. A cada dia mais pessoas percebiam que o “rei estava nu”. Tudo não havia passado de uma grande enganação.
Todavia, se as coisas nas ruas não pareciam nada bem, para os detentores do poder, a experiência de ter ludibriado a população tantas vezes, lhes criara uma sensação de segurança de que, com um pouco de esperteza, tudo teria jeito. E foi nesse clima que mais uma nova sucessão de crises abalou o governo que, verdadeiramente, chegava ao final sem nunca ter começado.
A TERCEIRA CARTA
Sem titubear, escolado pelas crises anteriores, correu o governante para ler a terceira e última carta, na certeza de que ela teria alguma boa sugestão para levá-lo a superação dos problemas e novamente à vitoria.
E foi aí que pálido e suando frio teve que ler apenas uma frase, que sem qualquer explicação soou como profecia: “Assim não dá. Escreva três cartas para o seu sucessor”.
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